Tartarugas, jabutis e cágados: entenda o mundo dos quelônios e conheça suas principais características
Espécies costumam ser confundidas e generalizadas como se fossem todas iguais, mas não é bem assim
Eles são cascudos, lentos na terra, alguns são excelentes nadadores, costumam ser solitários, resistentes e têm alta expectativa de vida. São os cágados, tartarugas e jabutis: também conhecidos como quelônios, essas espécies fazem parte do grupo Testudinata, caracterizado por répteis que possuem casco na parte dorsal do corpo. Na fala popular, eles costumam ser agrupados, erroneamente, como tartarugas. Mas, afinal, quais são as diferenças entre eles se todos se parecem tanto?
Cágados, tartarugas e jabutis, ao longo do processo evolutivo, ocuparam os ambientes mais distintos do planeta, como mares, rios, lagos, áreas pantanosas, desertos e florestas com espécies adaptadas para viverem em ambientes aquáticos, terrestres e marítimos. Cada uma delas encontrou um modo peculiar de se reproduzir e se adaptar aos ambientes produzindo descendentes férteis para garantir o futuro desses animais.
Jabuti tinga
Assim como os demais répteis, os quelônios respiram por pulmões, possuem escamas pelo corpo e são ectotérmicos, ou seja, precisam regular sua temperatura no sol ou em locais mais aquecidos. A temperatura ideal para as tartarugas e jabutis varia entre 26° e 28°, enquanto os cágados conseguem sobreviver em áreas mais frias, entre 21° e 26°.
Todas as espécies são ovíparas e as fêmeas depositam seus ovos em ninhos escavados em solo macio, na terra ou grama de matas, e nas areias próximas das praias de mares e rios. Embora todas as fêmeas de quelônios façam um ritual especial para a corte, acasalamento e postura de ovos, não há um cuidado parental após o nascimento dos filhotes, mas há indícios em estudos com espécies amazônicas.
“Basicamente, a busca do local para a postura de ovos dos três é bastante semelhante. As fêmeas procuram um local seguro, em terra firme, longe da água, com incidência de sol e sombra. Depois, elas cavam cerca de 30 centímetros com as patas traseiras e, enquanto desovam, lubrificam o ninho e depositam os ovos, num processo que pode durar horas. Quando acaba a postura, elas cobrem o ninho com a terra ou areia e vão embora”, explica a bióloga e coordenadora do Reptário e do Biotério Semiextensivo de Quelônios e Lagartos do Laboratório de Ecologia e Evolução (LEEV) do Instituto Butantan, Myriam Elizabeth Velloso Calleffo.
Filhote de tartaruga
Uma característica comum dos jabutis são as longas caminhadas que fazem. Esse comportamento gera um impacto positivo na natureza, ajudando na conservação da fauna e flora. Durante suas andanças, esses animais de hábitos onívoros se alimentam de tudo o que encontram no caminho, fazendo com que a dispersão de sementes seja frequente no meio ambiente.
“Quando eles comem, naturalmente eles evacuam e disseminam as sementes pelas fezes no caminho. Essa dispersão com o jabuti é muito rápida: em ambientes controlados, como cativeiros, é possível reparar que vão brotando pés de limão, mamão e até tomates. Suas fezes são importantes nesse contexto para ajudar o ciclo de nutrientes no solo, tanto para os terrestres quanto para os aquáticos”, diz Myriam.
Há semelhanças também nas características físicas: o aparelho bucal não possui dentição e é formado por um bico córneo, que é usado para rasgar alimentos e comer. Jabutis, tartarugas e cágados possuem carapaça (casco), plastrão (ventre), quatro patas, cauda – que varia em estilo entre machos e fêmeas –, não têm orelhas mas têm tímpanos, enxergam cores e têm um olfato muito aguçado.
Quem é quem nesse mundo dos quelônios
O que distingue os três grupos são as características morfológicas presentes na carapaça, nas patas, no modo de dobrar o pescoço e o habitat em que vivem. Inclusive, a distribuição entre as subordens Cryptodira e Pleurodira, que têm relação com a movimentação da cabeça e pescoço, ajudam a entender em qual grupo cada quelônio pertence.
“As tartarugas e os jabutis fazem parte do grupo Cryptodira, que são os quelônios que colocam o pescoço e a cabeça para fora em uma única direção, para frente. Eles esticam o pescoço e mexem a cabeça levemente para os lados. Os cágados, são do grupo Pleurodira que, além de colocar o pescoço para fora, o dobram lateralmente”, destaca Myriam.
Tartarugas
Para entender as tartarugas, é importante compreender que existem as espécies marinhas e as de água doce, com hábitos diferentes. As marinhas têm seus membros adaptados para nadadeiras em formato de remo porque passam o tempo inteiro dentro d’água e só saem do mar para desovar. Já as de água doce têm patas com unhas, andam em pedras e cavam buracos. As unhas das patas dianteiras do macho, que são mais compridas, são exibidas às fêmeas durante a corte antes do acasalamento.
Tigre d’água
“É interessante que, no caso das tartarugas marinhas, após o acasalamento as fêmeas saem do mar somente para colocar seus ovos no mesmo lugar em que nasceram. Isso é uma questão de memória, que vem sendo estudada por pesquisadores”, diz Myriam.
Os hábitos alimentares das tartarugas marinhas são variados, incluindo algas, plâncton, crustáceos e pequenos invertebrados. Já as espécies de água doce, que são semiaquáticas, são mais oportunistas e se alimentam do que encontram pela frente, com preferência para uma dieta carnívora. A expectativa de vida desses animais varia entre 30 e 40 anos. Além disso, eles possuem o casco mais alto, quando comparado aos cágados.
No Brasil, segundo dados do projeto TAMAR, ocorrem cinco das sete espécies de tartarugas marinhas viventes: tartaruga cabeçuda (Caretta caretta), tartaruga-verde (Chelonia mydas), tartaruga-de-couro ou gigante (Dermochelys coriácea), tartaruga-de-pente (Eretmochelys imbricata) e tartaruga oliva (Lepdochelys olivácea). Todas estão ameaçadas de extinção, com exceção da tartaruga verde.
Tartaruga de orelha vermelha
Na água doce, as mais comuns são do gênero Trachemys, conhecidas popularmente como tigre-d’água (Trachemys dorbigni), uma espécie brasileira. Muitas vezes, ela é confundida com a espécie exótica Trachemys scripta elegans, a tartaruga de orelha vermelha, que é de origem norte-americana e atualmente um dos animais de estimação mais comercializados no mundo, infelizmente, em diversos casos, ilegalmente.
Seus membros são adaptados para locomoção na terra firme, busca por alimentos e postura de ovos. São animais vorazes que se adaptam facilmente em ambientes degradados pelo homem e competem por alimento, parceiro e habitat, ocupando novos nichos e eliminando a espécie silvestre de seu ambiente nativo.
Jabutis
São animais terrestres, lentos, resistentes e longevos, podendo ultrapassar os 100 anos de vida. Eventualmente, visitam as águas para beber e tomar banho: eles até sabem nadar, mas não é uma grande especialidade. Os jabutis têm patas curtas e fortes, que permitem cavar buracos e tocas para se esconder, e lembram o formato das patas de um elefante, para facilitar suas longas caminhadas.
A carapaça é mais côncava em comparação com as tartarugas e cágados. A parte inferior do macho, conhecida como plastrão, também é côncava para se encaixar durante o acasalamento no plastrão da fêmea, que possui o formato convexo. O acasalamento entre jabutis acontece em terra firme: os machos encontram as fêmeas pelo feromônio, uma substância liberada para atração sexual e, durante a cópula, emitem um som alto característico.
Plastrão dos jabutis macho e fêmea
É um animal com hábito diurno e onívoro, que come de tudo, com preferência herbívora. Ele passa o dia buscando comida e se alimenta de carniça, carcaças, frutas, folhas, pequenos vertebrados e invertebrados, e até mesmo das próprias fezes.
No Brasil há duas espécies: o jabuti-piranga (Chelonoidis carbonaria), que possui escamas vermelhas na cabeça e na pata, e o jabuti-tinga (Chelonoidis denticulata), com escamas amarelas. “O jabuti-piranga é um bicho que vive em áreas abertas, de cerrado, caatinga e ambientes mais degradados e não florestados. O jabuti-tinga habita florestas de matas amazônica e atlântica”, completa Myriam.
Embora sejam robustos, os jabutis são muito sensíveis às temperaturas frias, podendo até hibernar durante o inverno, adoecer ou, em último caso, morrer sob condições climáticas desfavoráveis.
Jabuti-piranga
Cágados
Esses bichos concentram o maior número de espécies de quelônios do Brasil. São reservados, semiaquáticos e gostam de ficar escondidos e entocados nas profundezas das águas de rios e às vezes de regiões mais frias. São excelentes nadadores e conseguem superar corredeiras com facilidade por conta do casco mais achatado e aerodinâmico, e das patas com membranas interdigitais. Porém, precisam tomar sol para regular a temperatura corporal em ambientes aquáticos ou terrestres, sobre troncos e pedras.
Quando precisam esconder a cabeça, simplesmente dobram o pescoço lateralmente para dentro do casco. A expectativa de vida do grupo é em torno de 30 a 40 anos.
Os cágados dobram o pescoço lateralmente
Esses animais são diurnos, mas algumas espécies têm hábito crepuscular – saem em busca de alimento no final da tarde e dormem à noite. Eles são carnívoros e se alimentam de peixes, moluscos e crustáceos, mas também consomem folhas. Sua presença pode ser vista com mais frequência na região Norte do país.
“O acasalamento entre os cágados ainda é difícil de se observar na natureza, a não ser nas populações que existem nos tabuleiros, que são grandes áreas de praias de rio, redutos da biodiversidade que abrigam uma grande variedade de espécies e o maior local de desova de quelônios. Há vários projetos de manejo para conservação de quelônios na Amazônia, principalmente nas áreas dos tabuleiros”, comenta a bióloga.
O cágado-de-barbicha (Phrynops geoffroanus), a tartaruga-da-Amazônia (Podocnemis expansa) – que, apesar do nome, na verdade é um cágado – e o tracajá (Podocnemis unifilis) são algumas das espécies que habitam os rios brasileiros.
Os cágados são semiaquáticos e excelentes nadadores
Cuidado com os predadores e poluição ambiental
Por serem bichos que transitam entre terra e água, quelônios possuem uma extensa gama de predadores, e o maior perigo ocorre durante os primeiros anos de vida, quando são filhotes e jovens. Ao eclodir do ovo e sair do ninho, apesar de nascerem “prontos” para o mundo, eles ficam vulneráveis a ataques de outros animais.
“Os principais predadores dos quelônios, ainda filhotes, são crustáceos como o caranguejo, insetos como o gafanhoto e a barata d’água, jacarés e mamíferos como o macaco e o quati, que predam filhotes e adultos. Já as tartarugas marinhas enfrentam vários desafios no oceano, como o tubarão e as orcas, por exemplo”, comenta Myriam.
Depois de atingirem a maturidade, quando se sentem ameaçados os quelônios escondem todos os membros – cabeça, patas e cauda – dentro da carapaça e se mantêm completamente imóveis até o perigo ir embora.
Filhote de jabuti
Outro desafio para a vida dos quelônios na natureza é a falta de proteção ao meio ambiente, que provoca o desmatamento e degradação de áreas florestadas, poluição e o não cumprimento de legislações específicas de proteção da fauna e flora.
“Existem áreas que são muito importantes para a preservação das tartarugas marinhas, como as falésias no Nordeste. Algumas já são demarcadas e há praias que proíbem construções”, explica Myriam. “Esses animais têm um sonar que faz com que eles voltem para sua praia de origem. Então, por exemplo, se você tem uma construção que provoca iluminação em uma área, isso vai confundir e atrapalhar as tartarugas na hora de voltar para seu local de nascimento para desovar”, completa.
O aquecimento global é também um ponto que impacta diretamente na preservação dos quelônios, já que o sexo desses animais é influenciado pela temperatura local onde o ovo é depositado. “Quanto mais quente for o clima, mais fêmeas nascerão, e quanto mais frio for, mais machos nascerão. Então, se a natureza continuar sendo prejudicada pelo aquecimento global, provavelmente só teremos fêmeas no futuro e as espécies podem se extinguir”, finaliza Myriam.
No Brasil, há uma espécie de um cágado em perigo de extinção, o cágado do Paraíba (Phrynops hogei ou Mesoclemmys hogei), que tem esse nome por ser exclusivo do Rio Paraíba, entre o Rio de Janeiro e o Sul de Minas Gerais. O local onde essa espécie rara sobrevive é uma das regiões mais desmatadas do Brasil.