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“Minha cunhada se ofereceu para ser barriga solidária e agora age como se fosse mãe do bebê”

Em desabafo, mãe conta que a mulher é possessiva e até chama a criança de “meu bebê”. Agora, ela vive uma situação delicada: “Quero dizer a ela para parar, mas não quero parecer ingrata”, afirma

Embora seja uma técnica salvadora no caso de muitas pessoas que não conseguem ter filhos da maneira convencional, a barriga solidária, cujo nome mais correto é útero de substituição, exige muito de todos os envolvidos – sobretudo da parte emocional. Oferecer-se para gestar o bebê de outra pessoa é um gesto lindo, mas muito complexo. Uma mãe contou que passou por essa situação, quando ela e o marido não conseguiam conceber um filho por motivos médicos. Então, a irmã dele se ofereceu para fazer isso por eles.

Parecia uma ótima ideia. A cunhada tinha dois filhos e era muito saudável. A gravidez e o parto aconteceram sem intercorrências. Tudo perfeito. Até que a bebê nasceu e a situação ficou complicada. Apesar de se sentir extremamente grata pelo presente da cunhada, que se sacrificou, gestando a pequena, a mãe percebeu que o comportamento dele ficou esquisito. A mulher começou a agir de forma possessiva, além de parecer se sentir mãe da criança.

“Sempre que ela vinha à nossa casa, ela insistia em estar presente na troca de fraldas, na alimentação e na hora da soneca”, relatou a mulher, em uma publicação no fórum Reddit. “No início, não tive problemas com isso, mas disse a ela que seria melhor ela descansar, já que tinha dado à luz recentemente”, afirmou. Mas a cunhada insistia em ajudar.

“Então, as coisas mudaram. Ela passou a me dizer constantemente como cuidar do bebê, pois ela ‘tem mais experiência’”, explicou a mãe. “Ela age como se soubesse mais do que nós o que é melhor para nossa filha. Ela até começou a se referir ao bebê como ‘seu bebê’, na frente de nossos amigos e familiares, durante as reuniões familiares, e, constantemente, os lembra de que ela deu à luz meu bebê e conta às pessoas sobre meus problemas de fertilidade, dizendo como isso é lamentável”, relata.

O problema com a cunhada refletiu também no relacionamento da mulher com o marido. “Tentei conversar com ele sobre isso e, embora ele reconheça que o comportamento dela pode ser autoritário, ele não quis confrontá-la porque tem medo de que isso prejudique o relacionamento deles. Ele acha que devemos muito a ela para criticar suas ações”, afirmou a autora da publicação.

Diante disso, ela mesma decidiu conversar com a cunhada sobre o assunto, para tentar resolver a questão. “Expressei minha gratidão por ela ter sido barriga solidária, mas expliquei que isso estava causando confusão e estresse para nossa família”, disse ela. “Tentei explicar como as ações dela estavam me deixando sobrecarregada e que eu queria estabelecer limites, pois trata-se do meu bebê. Ela chorou e me acusou de não valorizar tudo o que ela havia feito por nós, lembrando que ela foi a razão pela qual tivemos um filho. Ela disse que eu não estava entendendo o vínculo que ela desenvolveu com o bebê durante a gravidez”, contou.

“Depois da discussão, percebi como alguns membros da família do meu marido começaram a me tratar de maneira diferente e a me olhar de maneira diferente. Fiquei muito estressada e não sei o que fazer”, disse a mulher, que pediu conselhos aos usuários do fórum. A maioria acha que ela está certa na situação.

“Sua cunhada está tendo problemas para se ajustar à realidade da situação. Ela precisava de um pouco de ajuda para contextualizar antes que o problema se tornasse maior”, disse uma pessoa.

“Parece que sua cunhada precisa de aconselhamento”, escreveu outra. Um terceiro respondeu: “Talvez os três devessem ir a uma consulta de aconselhamento juntos. Os limites devem ser definidos agora, caso contrário, o problema só vai piorar”.

“Você está cansada e cuidando de um pequeno ser humano, ajustando-se a ser uma nova mãe. Isso é difícil. Essa camada adicionada é realmente difícil. Ela pode ter dado à luz, mas é seu bebê. Ela não é a mãe daquela criança. Ela precisa aceitar que é tia, não mãe”, pontuou alguém.

“Insistir em estar presente na troca de fraldas, na alimentação e na hora da soneca: essa é toda a existência de um recém-nascido. Ela, literalmente, veio e ficou todos os dias o dia todo? Isso deveria ter sido interrompido imediatamente”, disse um internauta.

“Chamar o bebê de bebê dela na frente de amigos e familiares é um passo que vai longe demais. Há uma linha tênue entre ser grato e agradecido pelo que ela fez por você e permitir que toda a sua vida seja abalada por ela por causa disso”, opinou uma outra pessoa.

Por outro lado, alguns usuários foram empáticos também com a cunhada. “A gravidez é literalmente projetada para formar um vínculo entre o bebê e a mãe. Desmontar os dois é traumático para ambos. É por isso que não gosto de barriga de aluguel”, disse um. “Esta mulher literalmente se tornou humana para você, lidou com todas as terríveis complicações da gravidez e depois teve que deixar o hospital sem um bebê. Isso deixaria qualquer um louco. Você deveria ter abordado esta situação com mais compreensão”, pontuou alguém.

“A barriga de aluguel nem sempre é tão simples quanto alguém dá à luz um bebê e você o pega. Especialmente quando a pessoa que faz i útero de substituição é parente de um de vocês. Você deveria ter pensado nisso antes de entrar no meio disso”, escreveu outra pessoa.

Barriga solidária: como funciona?

A cessão temporária de útero ou útero de substituição é o nome técnico para o que conhecemos por barriga solidária no Brasil. Em outros países, como os Estados Unidos, usa-se o termo “barriga de aluguel”, porque as mulheres podem ser remuneradas financeiramente pela gestação. Por aqui, embora as normas que regulam a prática tenham sido atualizadas, o pagamento continua proibido. Só cede o útero quem topa fazer isso por altruísmo mesmo.

No país, até hoje, não existe uma legislação que regule a reprodução humana assistida. “A única norma que temos é a do Conselho Federal de Medicina (CFM), atualmente, a Resolução n° 2320, de 2022, que regula a reprodução humana artificial, os procedimentos éticos e a conduta dos profissionais médicos”, explica o advogado José Roberto Moreira Filho, presidente do Instituto Brasileiro de Direito de Família, em Minas Gerais (IBDFAM-MG). “Na falta de uma legislação específica, além da resolução do CFM, são utilizados os princípios do Direito”, aponta o especialista.

Essa regulação é atualizada de tempos em tempos por um conselho do CFM e, entre as mudanças realizadas na última versão, em setembro de 2022, uma envolve a barriga solidária. “Até então, o útero só poderia ser cedido por uma mulher que fosse parente de até quarto grau de um dos pais”, diz. “Agora, passa a ser permitido, em casos específicos e mediante autorização do Conselho Regional de Medicina (CRM), para uma pessoa que não tenha laços familiares com os genitores”, destaca o ginecologista Adelino Amaral, diretor do Centro de Assistência em Reprodução Humana Genesis, em Brasília (DF), e membro da Câmara Técnica de Reprodução Assistida do Conselho Federal de Medicina (CFM). Para ele, a alteração representa um avanço e abre um leque para pessoas que não possuem familiares que possam ou queiram fazer o útero de substituição.

A cessão temporária de útero é uma alternativa para quem, por algum motivo, não pode ter uma gestação com o próprio órgão. “É indicada em casos de mulheres que nasceram sem útero ou precisaram retirá-lo, quando o órgão tem alguma deformidade congênita ou adquirida ou quando a mulher possui alguma doença, como cardiopatia e nefropatia, por exemplo, já que uma gestação aumenta o risco de morte dela”, explica o ginecologista e obstetra Paulo de Gallo Sá, especialista em reprodução humana e presidente da Sociedade Brasileira de Reprodução Humana (SBRH). Também é um método usado por casais homoafetivos masculinos ou por homens que queiram fazer uma produção independente.

As pessoas que desejam passar pelo processo, então, precisam encontrar uma mulher disposta a engravidar por elas, seja parente até quarto grau ou alguém com laços afetivos, ainda que não parentais. “Essa mulher precisa ter, pelo menos, um filho vivo. Se for casada, é necessário que o marido concorde com o procedimento”, explica Sá. Em seguida, todos os envolvidos precisam passar por uma avaliação psicológica e receber um laudo, indicando que estão aptos a fazer o procedimento. Na sequência, vêm os exames físicos para atestar a saúde da mulher que vai engravidar.