O Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE) decidiu, no último dia 20 de março, que a Igreja Universal do Reino de Deus deverá indenizar em R$ 30 mil um ex-membro que doou praticamente todos os seus bens, incluindo uma padaria, à denominação religiosa. A 5ª Câmara Cível rejeitou, por unanimidade, o recurso da igreja e confirmou a sentença de primeira instância, proferida em 2022.
Segundo os autos do processo, o homem, de 50 anos, alegou ter sido induzido a vender sua padaria — única fonte de renda — e entregar todo o valor à igreja, após constantes pressões de um líder religioso da instituição.
A Justiça entendeu que houve coação moral e abuso de direito, praticados por meio de discursos que exploravam a fé e a vulnerabilidade emocional do fiel.
Discurso religioso como instrumento de pressão
O caso ocorreu em uma igreja da Universal localizada no bairro Santo Amaro, na cidade do Recife (PE). Conforme relatado nos autos, o homem foi convencido de que somente um “sacrifício completo” — que incluía entregar todos os seus bens — mudaria sua vida.
“Sacrifício é toda a força. O senhor vai ficar na mesma, ou com a vida pior ainda, porque rejeitou o altar.”
“Sem o sacrifício, o diabo vai usar a sua ex-mulher e a filha dela para tirar tudo do senhor”.
A Justiça entendeu que esse tipo de abordagem ultrapassa os limites da liberdade religiosa e configura má-fé e abuso de poder espiritual, segundo o relator do caso, desembargador Agenor Ferreira de Lima Filho.
“A imposição de tais expectativas, positivas e negativas, explorando a fé e a fragilidade emocional, excede os limites da liberdade religiosa, configurando abuso de poder e má-fé”, afirmou o magistrado em seu voto.
Ainda de acordo com o tribunal, o pastor chegou a orientar que o homem não dividisse os bens com a ex-companheira e entregasse tudo no altar:
“Pega tudo que o senhor tem, põe no altar, no sacrifício, para Deus te abençoar”.
A decisão também citou a violação do princípio da autonomia da vontade, uma vez que as declarações induziam medo, submissão e isolamento do fiel de sua rede de apoio.
Posição da Igreja Universal
Procurada pelo portal Uol, a Igreja Universal do Reino de Deus afirmou, em nota, que a decisão judicial representa uma interferência indevida do Estado nas relações entre fiéis e suas igrejas. A instituição declarou:
“Sem a proteção da lei, nenhuma igreja ou instituição assistencialista que dependa de doações voluntárias poderia existir, especialmente frente a doadores arrependidos”.
A Universal alegou ainda que o ex-membro é uma pessoa esclarecida e que teria feito outras ofertas voluntárias anteriormente. A igreja também afirmou que recorrerá da decisão, argumentando que não teve a oportunidade de apresentar provas na primeira instância.
Precedente e liberdade religiosa
A decisão da 5ª Câmara Cível é considerada um precedente relevante para casos semelhantes envolvendo instituições religiosas. A professora Virgínia Machado, do Centro Universitário Uniarnaldo, afirmou:
“É um bom precedente, porque reconhece que há limites para a liberdade religiosa quando ela colide com a dignidade humana”.
De acordo com a Constituição Federal, o direito à liberdade religiosa é garantido, mas não absoluto. A legislação brasileira estabelece que esse direito deve ser exercido com respeito à dignidade da pessoa humana e sem violar princípios como a boa-fé (Romanos 14:22-23; 1 Pedro 5:2-3).
Caso mantida pelas instâncias superiores, a decisão do TJPE poderá contribuir para consolidar uma jurisprudência mais protetiva aos fiéis em situação de vulnerabilidade, especialmente quando há indícios de coação espiritual e manipulação emocional.