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Cientistas defendem que humanos inauguraram era geológica na Lua; entenda

Especialistas acreditam que o Antropoceno Lunar começou em 1959 com o envio da sonda soviética Luna 2 — e reconhecer isso pode ajudar a preservar patrimônio espacial

Antropólogos e geólogos da Universidade de Kansas, nos Estados Unidos, afirmam em artigo publicado no último dia 8 de dezembro na revista Nature Geoscience que já está na hora de reconhecer uma nova geológica na Lua: o Antropoceno Lunar.

Isso significa que os humanos viraram a força dominante moldando o ambiente lunar. “A ideia é muito semelhante à discussão do Antropoceno na Terra – a exploração de quanto os humanos impactaram nosso planeta”, compara o autor principal do artigo, Justin Holcomb, pesquisador de pós-doutorado no Kansas Geological Survey (KGS) da Universidade de Kansas, em comunicado.

O especialista lembra que, na Terra, pesquisadores consideram que o Antropoceno começou em algum ponto do passado, seja centenas de milhares de anos atrás ou na década de 1950. “Da mesma forma, na Lua, argumentamos que o Antropoceno Lunar já começou, mas queremos evitar danos maciços ou um atraso em seu reconhecimento até que possamos medir um halo lunar significativo causado por atividades humanas, o que seria tarde demais”, ele diz.

A primeira vez que a humanidade perturbou a Lua foi em 3 de setembro de 1959, quando a sonda não tripulada Luna 2 da União Soviética (URSS) pousou por lá. Desde então, mais de 100 outras naves, tripuladas e não tripuladas, tocaram o satélite, seja pousando — ou até mesmo colidindo. As mais famosas foram os Módulos Lunares Apollo da Nasa (na missão Apollo 11, por exemplo, o astronauta Neil Armstrong foi o primeiro homem a pisar na Lua).

Nos próximos anos, os pesquisadores acreditam que missões e projetos já planejados mudarão a face da Lua de maneiras mais extremas. “Os processos culturais estão começando a superar o fundo natural dos processos geológicos na Lua”, diz Holcomb.

Conforme o pesquisador, os humanos estão movimentando, entre outras coisas, os sedimentos chamados de “regolito” lunar. Normalmente, essa movimentação é causada por impactos de meteoroides e eventos em massa naturais. Porém, o processo está ocorrendo agora artificialmente por rovers, pousadores e pela movimentação humana.

“No contexto da nova corrida espacial, a paisagem lunar será totalmente diferente em 50 anos”, prevê Holcomb. “Múltiplos países estarão presentes, levando a numerosos desafios. Nosso objetivo é dissipar o mito lunar estático e enfatizar a importância de nosso impacto, não apenas no passado, mas contínuo e no futuro.”

Holcomb e seus coautores, Rolfe Mandel, cientista sênior do KGS, e Karl Wegmann, professor associado de ciências marinhas, terrestres e atmosféricas da Universidade Estadual da Carolina do Norte, citam que os humanos já deixaram na Lua diversos resíduos. Entre eles, componentes de espaçonaves descartados e abandonados, objetos variados (bandeiras, bolas de golfe, fotografias, textos religiosos) e pasme: sacos de excrementos humanos.

“Sabemos que, embora a Lua não tenha atmosfera ou magnetosfera, ela possui uma exosfera delicada composta por poeira e gás, bem como gelo dentro de áreas permanentemente sombreadas, e ambos são suscetíveis à propagação de gases de escape”, alertam os pesquisadores. “Futuras missões devem considerar mitigar os efeitos deletérios nos ambientes lunares.”

Os cientistas também querem chamar atenção para a importância de conservar o material lunar e as pegadas na Lua como recursos valiosos. Atualmente, os locais lunares, contudo, não têm proteções legais ou políticas contra perturbações.

Segundo Holcomb, o conceito de um Antropoceno Lunar visa aumentar a conscientização não só sobre nosso impacto no satélite, mas também sobre a preservação dos artefatos históricos na Lua. Esse campo de “patrimônio espacial” buscaria preservar ou catalogar itens como rovers, bandeiras, bolas de golfe e pegadas.

“Como arqueólogos, percebemos as pegadas na Lua como uma extensão da jornada da humanidade para fora da África, um marco crucial na existência de nossa espécie”, explica o cientista. “Essas impressões estão entrelaçadas com a narrativa geral da evolução. É dentro desse quadro que buscamos despertar o interesse não apenas de cientistas planetários, mas também de arqueólogos e antropólogos que normalmente não participam de discussões sobre ciência planetária.”