Expressão foi eleita palavra do ano pelo dicionário Oxford e indica problema das novas gerações
Expressão foi eleita palavra do ano pelo dicionário Oxford e indica problema das novas gerações
Quanto tempo você passa em frente a telas? Melhor: quanto tempo você gasta nas redes sociais? Muita gente, principalmente os mais jovens, que nasceram conectados, ficam conectados mais de 10 horas por dia.
Não à toa, o dicionário Oxford escolheu a expressão “brain rot” como a palavra do ano, algo como “podridão cerebral”. O termo está associado a uma certa deterioração mental gerada pelo excesso de conteúdos online, principalmente os superficiais e pouco desafiadores, como o feed infinito da redes sociais.
Mas será que isso realmente “deteriora” ou “apodrece” seu cérebro? Vem entender!
Seu cérebro pode apodrecer?
Levando ao pé da letra, claramente não. “Para apodrecer, literalmente, o indivíduo tem que estar morto e as células entrando num processo de putrefação. Mas isso não acontece com nenhum indivíduo vivo, o termo usou apenas uma analogia”, explica o neurocientista Fernando Gomes, professor livre docente da Faculdade de Medicina da USP.
Não há nenhuma pesquisa que mostra uma deterioração do sistema nervoso ou das conexões neuronais se você fica muito exposto a conteúdo de má qualidade nas redes sociais.
Mas isso não significa que não haja um impacto negativo no uso excessivo. “Eu creio que os usuários e pessoas próximas vão percebendo isso no cotidiano, nas suas vidas e nas relações pessoais”, argumenta o médico psiquiatra Alexandre Valverde, colunista de Veja Saúde.
Cérebro menos estimulado e mais viciado
Se o problema não é fisiológico, então como ocorre a deterioração característica do brain rot?
O cérebro é um órgão que tem, por premissa, a economia de energia, já que suas atividades cotidianas exigem bastante combustível. Essa tendência, aliada a um acionamento do circuito dopaminérgico, ou seja, que envolve o bem-estar, é o melhor dos mundos pro seu órgão pensante.
E é exatamente isso que acontece quando você rola o feed de uma rede social: economiza energia cerebral e dá prazer para a cachola.
“Com smartphones você pode oferecer isso para o seu cérebro a qualquer momento em qualquer lugar, e aí ele se adapta a esse comportamento mais fácil e mais prazeroso“, esclarece o neurocientista.
“A atenção, dentre todas as nossas faculdades cognitivas, é uma das mais importantes, porque é a porta de entrada consciente ou não para o mundo externo”, completa.
Valverde explica que, por causa disso, ninguém tem mais paciência para ler livros longos, assistir filmes extensos ou ouvir músicas complexas. Tudo tem que ser curto, rápido e prazeroso, o que é um grande problema.
“Isso mostra que tudo precisa estar já ultraprocessado. Não só os alimentos, mas os conteúdos também. Então acho que essa expressão brain rot aponta para isso, para esse fenômeno que também está acontecendo em relação à cultura e à informação, não só em relação à nossa dieta”, opina o psiquiatra.
Repercussões do brain rot
O Dr. Fernando afirma que, como há uma entrega muito rápida de dopamina em grande quantidade, o cérebro pede o tempo todo por isso. O que, junto a uma predisposição genética, pode desenvolver um quadro de ansiedade.
“Antes, era normal esperar um dia por uma resposta. Hoje, a devolutiva tem que ser pra ontem, ninguém pode demorar minutos para retornar. Além da ansiedade, se o indivíduo tem uma predisposição para um outro transtorno mental, como, por exemplo, a depressão, isso estimula seu desenvolvimento“, opina o neurocientista.
Ou seja, o excesso de redes e informações bobas acaba sendo um cenário favorável para que o indivíduo fique vulnerável a abalos na saúde mental. Além disso, Valverde acrescenta que se a pessoa está habituada a conteúdos de má qualidade, às fake news, a material superficial, é apenas isso que ela tende a oferecer como repertório individual:
“Ela vai ter um pensamento também superficial, pouco estruturado, com baixa complexidade. Se o indivíduo não se desafia, não se coloca a possibilidade de pensar de uma maneira mais complexa, profunda, ele fica buscando atalhos de pensamento, simplificações que deixam claro um empobrecimento cerebral perceptível para outras pessoas”, desenvolve o psiquiatra.
O especialista também acrescenta que todo esse fenômeno não é 100% orgânico: muitos grupos se privilegiam do entendimento superficial das pessoas e tentam angariar vantagens para diversos fins, como políticos.
E aí essa situação acaba virando um problema social, pois indivíduos assim são mais propensos a acreditar em negacionismos, seja ele o climático, o político, o científico…
“Isso gera um aumento da violência nas relações pessoais e institucionais, mais teorias da conspiração e mais explicações fáceis para a complexidade do mundo. São pessoas menos críticas e mais manipuláveis, o que é ruim para toda a sociedade”, argumenta Valverde.
Falando em vulnerabilidade, também é importante ressaltar que o excesso de informação é péssimo para o desenvolvimento do cérebro infantil, pois as crianças tem uma resposta passiva a qualquer conteúdo exposto.
“Elas estão totalmente desprotegidas e despreparadas, perdendo a chance de desenvolver todas as suas faculdades intelectuais e principalmente o amadurecimento emocional“, explica Fernando.
Como fugir do “cérebro podre”
Tem que fazer esforço, não tem jeito. A tendência do mundo é essa, então precisamos gastar energia pra reverter tal situação.
Segundo o Dr. Fernando, não é fácil, mas precisamos basicamente colocar a tecnologia no lugar dela.
“Temos que desligar o celular. Ficar distante dele e aprender a utilizá-lo para o que ele realmente serve. Por exemplo: uma faca serve pra cortar um alimento, mas, se mal utilizada, pode matar uma outra pessoa. A internet mudou nossas vidas e trouxe muita coisa boa, mas precisamos entender que seu mau uso impacta diretamente o cérebro”, aconselha o neurocientista.