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Após dar à luz, influenciadora come própria placenta; é perigoso ou tem benefícios?

A prática divide as opiniões de especialistas, já que não há estudos científicos que comprovem os benefícios da ingestão da placenta

A influenciadora Fernanda Lacerda, que ficou conhecida como Mendigata, deu à luz seu primeiro filho, o pequeno Gabriel, no último domingo (29). No entanto, o que chamou a atenção dos internautas foi um vídeo que a mãe postou nos stories em seu perfil no Instagram ingerindo a própria placenta com intuito de melhorar a produção de leite, ter mais energia e diminuir os sintomas da depressão pós-parto. Mas, é preciso ter cuidado, pois esse tipo de prática divide as opiniões de especialistas, já que não há estudos científicos que comprovem que haja, de fato, benefícios nesse consumo.

Os médicos dos Centros de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) dos Estados Unidos (EUA) não recomendam a ingestão de placenta, pois o ato pode levar à infecção por bactérias, como o estreptococo do grupo B, causando problemas graves nos pulmões, cérebro, sangue, ossos e articulações em bebês recém-nascidos.

A ingestão também não é indicada por médicos da Federação Brasileira de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo). “Temos uma preocupação muito grande pela questão de transmissão de doenças, pois a placenta funciona como um filtro entre a mãe e o feto e algumas doenças podem acometer a gestação, como HIV, sífilis, hepatite viral. Com isso, este órgão pode ser um vetor de contaminação”, pontua a ginecologista Rivia Lamaita, membro da Comissão Nacional Especializada em Reprodução Humana da Febrasgo.

A especialista alerta que não se sabe qual a melhor forma de preservar a placenta até a ingestão. “Como o órgão tem um fluxo sanguíneo muito grande, se não for corretamente preparado, pode conter a presença de bactérias e levar à contaminação da mãe e do bebê, já que algumas doenças se transmitem pelo leite materno. Mas não temos nenhuma fórmula para conservar a placenta ou garantir que ela não vá trazer nenhum problema”, explica. A médica reforça que, do ponto de vista da ciência, não há evidência de nenhum benefício na ingestão do órgão. “Nem nutricional, nem hormonal, nem para reduzir a dor ou o risco de depressão pós-parto”, afirma.

Segundo Rivia, a prática cresceu nos últimos anos, com a busca pela humanização do parto, e que, apesar de a opção de ingerir a placenta não se recomendada, é um direito da mulher. “Não podemos negar, apenas orientar sobre os riscos e desestimular. Porém, se for o desejo da paciente, ela deve informar o seu médico e o hospital, pois existe um protocolo para isso e é necessário autorização prévia”, diz.

Em seu perfil no Instagram, o ginecologista e obstetra Wagner Hernandez (SP), especialista em gestações múltiplas e de alto risco, também reforçou que não há evidências científicas que comprovem os benefícios da ingestão da placenta. O médico ainda explica que alguns mamíferos comem a placenta, mas com o objetivo de esconder os rastros de sangue de seus predadores ou, talvez, até mesmo para o consumo, devido à baixa disponibilidade de alimentos. No entanto, no caso dos humanos, não faz sentido. O obstetra destaca que cada um tem o direito de escolher o que comer, mas que a comunidade médica precisa se pronunciar quando informações “equivocadas e erradas” são disseminadas.

Mais leite, mais energia, menos depressão. Será?

Embora não tenha evidências científicas, existem profissionais que defendem o consumo da placenta e ajudam as mulheres a prepará-la para isso. São as chamadas ‘placenteiras’, que manipulam o órgão e treinam outras mulheres para fazer o mesmo. Segundo os adeptos, a ingestão melhora a produção de leite, dá mais energia e diminui os sintomas da depressão pós-parto. É possível consumi-la em cápsulas (seca, desidratada e em pó), em tintura (extrato líquido), óleo e ainda em creme para a pele, da mãe e do bebê.

A ginecologista e obstetra Melania Amorim, da Universidade Federal de Campina Grande (UFCG), ressalta que a ciência não conseguiu demonstrar nenhum benefício com a ingestão da placenta, mas, tampouco, malefícios. “Sou cientista e não acredito que haja efeitos benéficos na prática. Só defendo, como feminista, que a placenta é da mulher e que ela tem o direito de fazer o que quiser com ela, já que não há comprovação de efeitos maléficos. Desde que não seja uma placenta infectada”, explica.

Para a médica, há uma forte simbologia envolvida nesta prática. “Por ser o órgão que abriga e nutre o bebê, quem consome acredita que pode haver melhora da anemia em longo prazo, com as cápsulas ou no consumo imediato, redução de hemorragia etc. Nada disso foi cientificamente comprovado. Porém, também não há evidência de efeitos adversos”, aponta.

A pesquisadora também contesta o termo placentofagia. “Há quem pense que a pessoa pega a placenta e come aos bocados, como fazem os animais – e não é isso. Até parece que as mulheres estão pegando a placenta e consumindo toda, como se fosse um ato de antropofagia. Este termo não inclui todas as práticas”, aponta Melania. A especialista diz que é como um ritual, que pode envolver crenças espirituais e de saúde. “A minha placenta eu enterrei e plantei simbolicamente uma árvore por cima, que ficou sendo ‘a árvore de Joaquim’ [filho dela]. É uma forma de eternizar o órgão, sem, necessariamente, ingeri-lo. Outra maneira de criar uma lembrança é o ‘carimbo da placenta’, técnica em que ela é usada para fazer uma espécie de “print” em um papel, Como o formato da placenta com o cordão umbilical lembra o de uma árvore, muitas pessoas chamam o desenho de “árvore da vida”.