Uma pesquisa recente da Confederação Nacional dos Municípios (CNM) revelou que mais de 64% dos municípios brasileiros estão enfrentando estoques insuficientes de vacinas. O levantamento, realizado em setembro, escancarou falhas na administração do ministério da Saúde, ameaçando a imunização nacional e repetindo a baixa cobertura de 2022, atribuída ao governo anterior. Ainda assim, o governo Lula reitera o discurso pró-vacinação, como o realizado no desfile de 7 de setembro.
Apesar das campanhas do ministério da Saúde, a realidade nos municípios aponta para uma escassez preocupante. De acordo com o estudo, as vacinas com maior escassez são as contra varicela (catapora), covid-19 pediátrica, meningite tipo C, hepatite A, a tetraviral (sarampo, caxumba, rubéola e varicela) e a DTP (difteria, tétano e coqueluche). Entre os estados mais afetados estão o de Santa Catarina, onde 83,7% dos municípios estão sem vacina, seguido de Pernambuco (80,6%) e Paraná (78,7%). Das 27 unidades federativas do país, 20 apresentam pelo menos 50% dos municípios sem imunizantes.
“No fim, quem paga a conta é a população, que na grande maioria das vezes não tem condições financeiras de obter essas vacinas na rede privada e fica à mercê do governo”, afirma Francisco Cardoso, médico infectologista e membro da Câmara Técnica de Infectologia do Conselho Federal de Medicina (CFM).
Falta de vacinas coloca a saúde pública em risco e pode gerar impactos econômicos
As complicações da catapora, por exemplo, podem se agravar significativamente nos casos em que a criança não tenha recebido a vacina. Segundo informações do próprio Ministério da Saúde, entre as principais consequências estão a encefalite, uma inflamação aguda no sistema nervoso central, além de pneumonia e infecções na pele e ouvido.
Já a meningite C, cuja vacina é a terceira mais em falta nos municípios, pode causar complicações graves como danos cerebrais, perda de audição e visão, paralisia ou amputação de membros e atrasos no desenvolvimento motor.
Para Antônio Jordão, médico com formação em saúde pública, a falta de cobertura vacinal de doenças graves pode desestruturar o sistema de saúde. “Se houver um desencadeamento de uma epidemia de meningite C, por exemplo, o impacto na saúde pública seria imenso. Isso exigiria não apenas uma alta hospitalização, mas leitos de UTI muito específicos para doenças contagiosas, estrutura que nem todos os hospitais possuem”, alerta.
Diante da situação crítica em que se encontram, algumas cidades estão buscando alternativas emergenciais. Em algumas unidades da federação, os postos de saúde têm oferecido vacinas de cobertura maior à população como é o caso do Distrito Federal. Por exemplo, na ausência de meningo C (contra a meningite C), os profissionais da saúde utilizam a ACWY (que cobre meningites do tipo A, C, W e Y). “Essas vacinas que estão sendo usadas para cobrir as lacunas do PNI [Plano Nacional de Imunização] são mais caras. Isso certamente está sendo feito no esquema de emergência, mas aumenta significativamente os custos. Ou seja, se não for resolvido a curto prazo, o gasto vai explodir e pode faltar dinheiro para comprar as vacinas regulares”, analisa Cardoso.
Uma nota do ministério da Saúde declarou que “não há falta generalizada de vacinas no Brasil”. De acordo com a pasta, ao assumir o governo em 2023 “havia desabastecimento generalizado de vacinas” e que, “além de problemas na gestão anterior”, algumas dessas vacinas estariam “em falta no mercado mundial” e outras apresentariam “desafios de produção nacional”. A pasta acrescentou que todos os estados estarão reabastecidos até o próximo final de semana e uma nova compra de 69 milhões de doses está em execução.
Falta de vacina contra covid-19 expõe contradições na gestão de saúde
A vacina da covid-19, cuja eficácia e segurança foram amplamente debatidas durante os anos de pandemia, também enfrenta escassez. Segundo a Folha de S. Paulo, quase um terço dos estoques desse imunizante perdeu a validade, evidenciando falhas na distribuição pelo governo. Atualmente, a vacina de covid para adultos é a sétima mais em falta nos municípios.
Em resposta às críticas e à baixa cobertura vacinal, o governo tentou justificar a situação como sendo fruto da circulação de fake news. No começo da gestão do terceiro mandato de Lula, em 2023, o ministério da Saúde realizou campanhas com esse argumento para tentar aumentar a cobertura vacinal. “Temos enfrentado uma forte campanha, desde 27 de fevereiro, de fake news envolvendo a vacina bivalente. Isso é extremamente sério e eu tenho destacado que não se trata de desinformação, se trata de ação criminosa”, afirmou Nísia Trindade durante um evento em março de 2023.
“O que me chama a atenção é que até mesmo o imunizante da covid, que é alvo de questionamentos, e tão defendido pela ministra Nísia, pelo Lula e por todos do atual governo, também está em falta. Ou seja, aparentemente a preocupação não era exatamente a vacina, mas apenas uma narrativa contra adversários políticos”, observa Cardoso.
Os especialistas apontam para a necessidade da responsabilidade do governo, sem deixar de garantir a liberdade de escolha da população, principalmente em relação às vacinas da covid para crianças, questionadas em vários países.
Sobre a falta de vacinas contra a covid, o ministério da Saúde informou, por meio de nota, que uma nova remessa de 1,2 milhão de doses da vacina de covid para o público infantil começou a ser distribuída nesta semana. “Novo pregão foi concluído recentemente para aquisição de mais de 60 milhões de doses de vacinas contra a covid-19, garantindo proteção contra cepas atualizadas pelos próximos dois anos”, declarou a pasta.
Médico defende que Congresso Nacional debata sobre escassez de vacinas
De acordo com os médicos ouvidos pela Gazeta do Povo, a escassez de imunizantes pode ser um indicativo de problemas mais amplos na gestão da saúde. “Isso gera preocupações quanto a segurança de quem está na gestão. Será que as pessoas que estão na gestão estão sabendo o que estão fazendo? Será que está faltando dinheiro? São preocupações que têm impacto, pois elas têm uma ação direta na própria assistência. Se está faltando vacina, o que mais está faltando na assistência à saúde no Brasil?”, questiona Cardoso.
Para Antônio Jordão, o Congresso Nacional precisa cobrar responsabilidade dos governantes e das instituições de forma equânime. “Essas questões são relevantes e dizem respeito ao direito de cada cidadão brasileiro. Elas devem ser levadas ao Congresso, ao Ministério da Saúde e a outras instituições como o Ministério Público”, sugere.