“Tem dias que a gente improvisa”, relata Ana Lúcia, diarista e mãe solo de três filhos em Salvador. “Faço arroz com ovo e torço para sobrar. Carne? Só em promoção.”

“Tem dias que a gente improvisa”, relata Ana Lúcia, diarista e mãe solo de três filhos em Salvador. “Faço arroz com ovo e torço para sobrar. Carne? Só em promoção.”
O prato do brasileiro está está mais vazio e a escolha não é voluntária. Dados da pesquisa Datafolha, publicada em 13 de abril de 2025, expõem uma crise alimentar crescente no país. Com a inflação minando o poder de compra, 58% dos brasileiros reduziram a quantidade de alimentos adquiridos. Entre os mais pobres, o índice alcança alarmantes 67%. Realizada com 3.012 pessoas em 172 municípios, a pesquisa revela um cotidiano de privações, adaptações forçadas e desigualdade acentuada.
A alta nos preços de itens básicos pressiona escolhas difíceis. Em março de 2025, o tomate subiu 22,5%, o ovo 13,1% e o café 8,1% — este último acumulando alta de 77,7% em 12 meses, segundo o IBGE. Comer fora tornou-se artigo de luxo: 61% dos entrevistados cortaram idas a restaurantes e lanchonetes. A carne, antes presente em muitas mesas, foi substituída por ovos em 40% dos lares e sumiu do cardápio de quase metade da população. Frutas, legumes e verduras, pilares de uma alimentação saudável, foram reduzidos por 39% dos brasileiros.
A pesquisa aponta que 25% dos brasileiros não têm comida suficiente em casa. O contraste social é gritante: entre os mais ricos, apenas 12% enfrentam essa escassez; entre os mais pobres, o índice dispara para 37%.
Para equilibrar as contas, 50% da população cortou gastos com luz, água e gás, enquanto 47% buscaram renda extra. Jovens de 16 a 24 anos são os mais ativos nessa luta, com 55% tentando complementar a renda para sustentar a casa ou a própria alimentação.
Na visão de 54% dos entrevistados, o governo federal é o principal responsável pela escalada dos preços. A percepção é mais forte no Sul (62%) e entre eleitores de Jair Bolsonaro (74%).
Entre os mais pobres, a culpa é compartilhada: 54% apontam os produtores rurais e 54% mencionam a crise climática, que tem prejudicado safras e elevado custos de transporte.
A crise vai além dos números e reformula tradições. O café da manhã, símbolo de afeto, está mais modesto: 50% dos brasileiros trocaram marcas de café por opções mais baratas, e quase a mesma proporção reduziu o consumo.
Eventos climáticos extremos, como secas no Centro-Oeste e enchentes no Sul, agravaram a oferta de alimentos, enquanto o IPCA de março registrou alta de 0,43%, puxada pelos alimentos (0,65%).
A inflação alimentar transcende a economia e se torna uma emergência social. Milhões de brasileiros estão mudando o que comem, como comem — e, em muitos casos, se comem. Famílias reorganizam orçamentos, adaptam hábitos e enfrentam um cenário que remete a tempos de escassez.
O prato do brasileiro pesa cada vez mais no bolso — e cada vez menos na mesa.
Por Carlos Arouck