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Como os perfumes são feitos? conversamos com perfumistas sobre a arte do cheiro

Você já tomou banho hoje? Seu sabonete e xampu tinham cheiro de quê? E as roupas que você vestiu ainda estavam com aquele cheirinho de amaciante? Ah, e o aromatizador do seu carro era de pinho ou lavanda?

Quando falamos nos perfumistas, os profissionais especializados em desenvolver fragrâncias, a gente costuma pensar apenas na perfumaria fina — as colônias e eaux de parfum. Porém, a realidade é que essas pessoas trabalham com todo tipo de produto que precisa de um aroma especial, como os que mencionamos acima.

A lista é gigantesca: aromatizadores de ambientes, velas perfumadas, papéis higiênicos, sabão, detergentes, produtos de beleza (não apenas para humanos, mas também para animais!). Isso sem falar nos projetos de assinatura olfativa que muitas empresas solicitam: você já entrou em uma loja que tinha um cheirinho só dela? Isso também envolve o trabalho de um perfumista.Leia também: Influencer brasileira vende perfume com seu próprio suor

No meio disso, eles podem se envolver em diversos projetos megacuriosos — e usar matérias-primas mais curiosas ainda, como vamos contar até o fim deste artigo. Mas antes, vamos contar como funciona a rotina desses profissionais e como eles criam as fragrâncias.

A criação de perfumes começa pelo briefing

Entender que o trabalho desses profissionais vai muito além da perfumaria fina foi a primeira descoberta importante da conversa com os perfumistas Carolina Monteiro e Fabiano Ramos. Eles trabalham na casa de fragrâncias Ginger e compartilharam diversas curiosidades sobre o seu trabalho.

A segunda descoberta importante foi perceber que o trabalho deles tem um lado artístico — de criação, com a assinatura pessoal do perfumista — e outro lado muito mais “prático”. A começar pelo fato que a maioria dos projetos precisa atender a um briefing com pedidos do cliente.

Geralmente, quem contrata casas de fragrâncias como a Ginger são indústrias que vão vender os produtos com esses aromas. E as indústrias têm visões bem específicas do que elas querem em um perfume: algo cítrico, amadeirado, suave, quente, com cheiro de lavanda ou pinho.

Também é importante compreender em qual base esse produto será aplicado — um sabonete, um xampu para crianças ou pets, etc. — para entender como a fórmula de fragrância vai interagir com os outros componentes. Afinal, não adianta só ter aroma de capim-limão: isso precisa aparecer no produto final.

Carolina e Fabiano contam, por exemplo, que sua equipe na Ginger já precisou dar banho em cachorrinhos para testar o resultado de um produto. Aliás, dentro de uma mesma linha, cada produto precisa de uma fórmula específica para resultar no mesmo aroma — um xampu de jasmim e um sabonete de jasmim, por exemplo.

Mas saber a base também é importante por outros motivos: os perfumistas não podem utilizar certas matérias primas em alguns produtos, por questões de segurança, alergias ou saúde… E questões de custo, também, afinal, um produto acessível precisa ter uma fragrância acessível, com matérias-primas mais simples. Isso nos leva ao próximo ponto.

Mais de 2.500 matérias-primas à disposição

Como já foi citado, o trabalho do perfumista tem um lado artístico e um lado prático. Quando questionados sobre como desenvolvem suas fórmulas, Carolina e Fabiano compararam seu trabalho ao dos músicos.

“Cada matéria prima é uma nota diferente. Se você juntar três notas diferentes, você tem um acorde”, explica Carolina. Como na música, formada pela união de notas e acordes, os perfumes também são criados pela união de várias matérias-primas.

Segundo os perfumistas da Ginger, é difícil falar em quantidades, mas uma fragrância pode ter entre 20 e 120 matérias-primas, dependendo do projeto. Um perfume fino tem cerca de 30, por exemplo, enquanto um amaciante chega até 60.

Mas um perfume não é mais caro? Então como ele tem menos matérias-primas? 

A questão é que nos produtos mais baratos, os perfumistas usam outros materiais sintéticos para reproduzir o aroma, sem usar óleos essenciais — que são caros. Inclusive, Carolina e Fabiano contam que seus laboratórios têm mais de 2.500 matérias-primas à disposição, um número que só aumenta conforme a indústria se desenvolve.

Eles precisam de muito repertório, criatividade — e um faro bem afiado — para decidir quais aromas de seu estoque serão utilizados em um projeto, segundo as demandas do briefing. Aí entra também o lado prático: misturar esses ingredientes com perfeição, na medida exata.

Segundo Fabiano, 5 g de uma determinada matéria-prima podem fazer muita diferença em um tonel com 500 kg de uma fragrância. Para ajudar nesses ajustes, os perfumistas têm toda uma equipe que testa as ideias, pesa amostras e os ajuda a chegar no resultado ideal.

Contudo, também existem os projetos de contratipo, que seguem um processo diferente. Os contratipos são pedidos para reproduzir uma fragrância — se uma empresa não está satisfeita com seu fornecedor, por exemplo. Então, há um profissional no laboratório que examina quais componentes formam essa fragrância e passa para os perfumistas — que buscam criar uma fórmula melhor para aquele mesmo cheiro.

Como avaliar uma fragrância — e como limpar o olfato

Uma casa de fragrâncias como a Ginger — e outras que existem pelo mundo — conta com vários profissionais especializados para avaliar as fragrâncias e decidir se elas atendem ao pedido da indústria. Além disso, são feitos testes com os clientes. Na maioria dos projetos, os perfumistas oferecem duas, três e até mais ideias de fragrância para que a indústria e seus clientes avaliem. E que vença a melhor!

Mas é claro que pessoas como Carolina e Fabiano têm um faro bem apurado para ajudar nessas avaliações. E como é trabalhar cheirando tanta coisa todos os dias?

Carolina conta que, realmente, seu olfato fica saturado ao longo do dia. “Eu cheiro tudo que eu preciso cheirar de manhã e trabalho com outras coisas à tarde”, afirma a perfumista. E ela é contra macetes, como cheirar café para “limpar” o olfato, pois o café é mais um cheiro que você coloca na sua cabeça. Para ela, “a melhor forma de limpar o olfato é cheirar sua pele”.

Fabiano argumenta que o café até tem propriedades que contribuem para acalmar os sensores olfativos, que podem inflamar depois de muitos perfumes. Mas um copo de água também pode ajudar nesse sentido. De qualquer forma, empresas não costumam marcar testes de perfumes importantes no horário da tarde.

Dito isso, outra questão que ajuda os perfumistas é a memória olfativa. “Eu não preciso cheirar algumas coisas para saber que eu posso usá-las naquela fórmula”, conta Carolina.

Os projetos e as matérias-primas mais curiosas

Para você entender como o trabalho dos perfumistas não é simples: eles precisam usar certas matérias-primas bem estranhas, com cheiros horríveis, para chegar naquele perfume delicioso que você usa para sair. Aliás, Carolina e Fabiano dizem que o laboratório dos perfumistas não cheira nada bem.

Existem as matérias-primas fenólicas, que têm cheiro de fezes, mas são importantes para criar fragrâncias florais, como de jasmim. Uma das mais fedidas era retirada da civeta, um pequeno mamífero asiático cujas fezes também são usadas para fazer café.

Há ainda o castorium, que era retirado de castores e tem um cheiro monstruoso, segundo Carolina. Eles usam bem pouquinho, para ajustar o resultado final das fragrâncias. Mas imagina abrir o recipiente cheio de castorium para pingar essa gotinha?

Além disso, existem outras matérias-primas estranhas: o âmbar cinza, que vinha do vômito das baleias; e o almíscar, que exigia matar um cervo-almiscarado para extrair as glândulas que secretam a substância usada nos perfumes. Mas observe que todos os verbos estão no passado, já que a indústria descobriu como sintetizar essas secreções de animais sem explorá-los.

Ah, e é claro que questionamos os profissionais da Ginger sobre quais foram os perfumes mais inusitados que eles já desenvolveram.

Carolina lembra de um restaurante que pediu um “cheiro de tomate” para aguçar o paladar dos clientes — ela usou óleo essencial de manjericão para lembrar o molho de tomate. Outro projeto desafiador foi uma fragrância que remetesse a um curral de cavalos, que precisou de muitas moléculas diferentes para um resultado satisfatório.

Já Fabiano conta sobre uma linha de produtos masculinos que precisava cheirar como um charuto famoso — não o cheiro do tabaco, mas do charuto especificamente. Ele não fuma, mas deu um jeito de atender ao pedido desse cliente.

Aliás, você sabia que encontrar um perfumista é raro? Dizem que existem mais astronautas que perfumistas. Embora essa afirmação seja um tanto exagerada — apenas cerca de 500 pessoas foram ao espaço desde Yuri Gagarin —, a profissão de Carolina e Fabiano também é bem seleta: no mundo todo, há somente em torno de 1 mil especialistas como eles, sendo apenas 40 no Brasil, que é o segundo maior mercado para perfumaria no mundo.