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Como é viver em Jequié (BA), cidade onde a polícia mata mais do que o crime

Das 134 mortes violentas intencionais que ocorreram no ano passado em Jequié, no sudoeste da Bahia, 74 tiveram como autor policiais. Isso significa dizer que, na cidade, a polícia matou em 2023 mais do que os criminosos.

Jequié foi o município com maior taxa de mortes violentas intencionais do Brasil em 2022. Em 2023, teve uma redução de 43% nos homicídios praticados entre criminosos. Mas um aumento de 94,7% nas mortes decorrentes de intervenções policiais.

Essa alta da letalidade policial, mapeada no Anuário do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, divulgado no último dia 18, elevou Jequié ao topo do ranking das cidades com maior taxa de pessoas mortas por policiais no Brasil.

Com pouco menos de 160 mil habitantes, a cidade é classificada pelo Ministério Público estadual e por pesquisadores locais da segurança pública como um microcosmo do que acontece em todo o estado.

A Bahia teve uma redução e 1,3% nas mortes violentas intencionais entre 2022 e 2023. Mas teve um crescimento na ordem de 15,8% no número de pessoas mortas pelas polícias civil e militar.

Em números absolutos, o estado é, disparado, o que teve mais mortes cometidas por policiais (1.699), com um acréscimo de 15,8% com relação ao ano anterior.

Para se ter uma comparação, o segundo estado com mais mortes violentas em números absolutos é o Rio de Janeiro, com 871 pessoas mortas por policiais.

Polícias Civil e Militar da Bahia, assim como o Ministério Público, apontam que a alta letalidade policial registrada no território é uma resposta do estado às organizações criminosas.

Segundo o Ministério da Justiça, pelo menos 14 facções criminosas agem nos presídios baianos.

“Por um lado, tem relação, sim, com o avanço do crime organizado, mas isso é algo que o país inteiro está vivendo, não é uma exclusividade do contexto baiano”, afirma Samira Bueno, diretora-executiva do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
Paz no centro, medo na periferia

Assim como outras cidades da Bahia e do Brasil, Jequié tem uma região central sem sensação de insegurança e a população, em geral, se sente confortável, dentro e fora de casa.

Nos bairros periféricos, a sensação de insegurança é mais presente entre os moradores: seja pelo controle do crime organizado, seja por receio das ações policiais.

A cidade é dividida por duas facções criminosas. Policiais locais estimam que 70% da região é dominada pelo Comando Vermelho, enquanto os outros 30% pelo PCC.

A Polícia Civil afirma que mais de 80% das mortes cometidas na cidade têm relação com o crime organizado.

A reportagem apurou, porém, que a cidade não tem uma guerra entre facções, porque há um acordo velado entre os dois grupos criminosos, que há tempos não tentam tomar territórios inimigos.

Essas mortes teriam motivação interna, sendo cometidas de CV contra CV e de PCC contra PCC. Além disso, também há desinteligências que acabam em mortes na cidade.

A Polícia Militar, por sua vez, é muito elogiada pelos moradores e comerciantes da região central. Mas é temida nas periferias.

No início de junho deste ano, por exemplo, havia um conflito entre integrantes do CV quando a PM foi acionada e se deslocou até o local.

Um policial militar foi baleado. Na sequência, cinco pessoas foram mortas no mesmo bairro.

Entre eles, Yuri Alves de França, 26, que estava limpando o quintal de casa, a pedido do pai, para uma festa de São João que eles promoveriam.

PMs entraram na casa atirando. Depois, chegaram ao quintal. Segundo testemunhas, realizaram uma abordagem e, depois, ordenaram que ele pulasse o muro da própria casa e saísse correndo.Continua após a publicidade

Vizinhos afirmam que ele pulou e correu por menos de um quarteirão. Do lado de fora, foi baleado pelas costas. Chegou ao IML já sem vida.

A PM diz que houve troca de tiros. A Polícia Civil diz que foi feita perícia e que não há indícios de nenhum erro.

A família diz que não houve perícia e que ninguém foi procurado para testemunhar, nem pela Polícia Civil nem pela Corregedoria.

Fonte: UOl