Uma abelha com dificuldades para voar passaria despercebida por muitos —não para a família da estudante de química Sarah Borges, 25. O inseto foi “adotado” por eles, que pagaram até os custos de uma internação, em Goiânia.
‘Não reagiu e caiu no chão’
Tudo começou no dia 9 de junho, quando uma abelha mamangava (do gênero Xylocopa) foi encontrada no corredor externo de casa, quietinha. “Foi meu pai quem a achou. A colocamos em um galhinho de manjericão no jardim, mas não sabíamos o que tinha nas asinhas dela. Estava quietinha e batia só um par de asinhas, mas no fim do dia vimos que ela não saiu de lá e, ao mexer com ela, não reagiu e caiu no chão”, conta Borges.
Ao perceber que a abelha não podia voar, Borges decidiu levar o inseto para dentro de casa. Transformou um aquário em viveiro e batizou a abelha com o nome de Odete, uma “quase homenagem” à cantora paraense octogenária Dona Onete. “Meu namorado que deu a ideia do nome: ele estava ouvindo muito essa cantora”, lembra Borges.
A vida da abelhinha Odete era entre o viveiro e as mãos de Borges e de sua mãe. “Fomos alimentado ela com mel, que comprávamos de criadores de abelha. Também tentamos dar uma cera, usada por quem cria abelha, mas ela só aceitava mel e saía muitas vezes do aquário para ficar em nossas roupas e em nossas mãos.”
Ela aprendeu a pedir a mel. Quando chegávamos com a vasilha de mel, ela já punha a linguinha [probóscide] para fora esperando. Acho que ela sentia o cheiro.
Borges conta que o tempo de cuidado com a abelha fez com que as pessoas até comentassem que a família “foi capaz de domesticar o inseto”. Apesar das brincadeiras, Borges afirma que a intenção era manter Odete sob cuidados até que pudesse voar novamente e voltar a viver com outras de sua espécie, que frequentam o jardim da casa onde moram.
Para tomar sol, a colocávamos nas flores em que outras mamangavas pousavam. Para dar mel, usávamos uma pipeta de plástico pequena, tipo um conta-gotas, e ela colocava uma espécie de linguinha para lamber. Deixávamos ela se alimentar o tanto que ela quisesse.
Uma abelha no veterinário
A mesma “linguinha” que Odete aprendeu a colocar para fora para se alimentar, um dia não voltou mais —em 4 de julho, quase um mês depois do encontro da “tutora” com a abelha. A situação assustou Borges e a família. “Ela botou esse aparelho lambedor para fora e não conseguia mais guardar. Ela ficou algumas horas dessa forma, mas não achei nenhuma informação e, pesquisando, descobri que o normal é elas morrerem com o ‘aparelho lambedor’ exposto.”
Borges, então, foi em busca de um biólogo, mas acabou chegando a um veterinário, especializado em animais silvestres e disposto a atender o caso.
Quando recebi a solicitação para marcar um horário para a consulta da abelha, fiquei bastante surpreso. É uma mamangava, uma abelha de hábitos solitários, e responsável, principalmente, pela polinização do maracujá.
Thiago Lourenço, veterinário e proprietário do hospital veterinário São Francisco de Assis Goiânia, responsável pelo atendimento da abelha
O veterinário conta que, ao examinar, percebeu que a abelha já estava bastante apática. “Ela já estava dessa forma havia três dias. Pelo histórico, coloquei algumas possibilidades de diagnóstico: poderia ser a idade, já que essa espécie tem o ciclo de vida de um ano, a mudança do clima ou intoxicação por veneno”, diz Lourenço.Continua após a publicidade
A abelhinha foi tratada pelo veterinário com hidratação em incubadora (lá, ela recebeu uma inalação com solução fisiológica), além de aplicação de glicose. “Em todo momento, Sarah sabia que o prognóstico seria desfavorável, mas a sensibilidade da tutora era enorme, muito difícil encontrar alguém que trate uma abelha dessa forma”, conta Lourenço.
Ela [Sarah] me disse que queria que ela descansasse, mas com qualidade nesse final da vida. Ela não fez nada disso para aparecer, porque quem fez os vídeos que viralizaram nas redes fui eu.
Thiago Lourenço, veterinário
O gasto com as despesas médicas foi de cerca de R$ 350. O valor incluiu a internação e os procedimentos feitos para melhorar a vida da abelhinha Odete.
‘Choramos muito’
Os cuidados não foram suficientes para que Odete se recuperasse completamente, e a abelhinha acabou morrendo no dia 4 de julho, após a internação. “A gente sofreu com a perda dela, choramos muito. O curioso é que, antes disso, eu tinha muito medo de abelha, já tomei muitas picadas. No começo, era mais meu pai que pegava ela, mas com o tempo fui perdendo o medo e ela vinha por espontânea vontade na minha mão.”Continua após a publicidade
A mamangava de quem Borges tratava tem um papel importante na natureza, assim como todas as abelhas: é crucial para a polinização. “A mamangava é uma abelha de hábitos solitário e responsável principalmente pela polinização do maracujá, mas também de outras frutas”, conta Lourenço.
Sou de uma cidade do interior de Goiás, com grande produção de melancia, onde existe um mercado curioso, em que o produtor de melancia aluga uma caixa de abelha de um apicultor em certa época do ano e as abelhas vão de flor em flor fazer esse trabalho de polinização.
Thiago Lourenço, veterinário
Abelhas são inteligentes e sensíveis, explica o biólogo Kayron Passos. “As abelhas comunicam através de danças e coordenadas geográficas umas com as outras, elas não agem só no automático como muita gente pensa.”