Vira e mexe, alguém resgata no TikTok ou no X (antigo Twitter) uma foto do elenco da série “Cheers”, de 1982, ou as filmagens de um programa de namoro do Silvio Santos, também dos anos 1980, e comenta, alarmado: como essas pessoas parecem tão velhas?
É que o elenco da produção norte-americana tinha, em média, 30 anos, enquanto os pretendentes do programa do Silvio estavam na casa dos 20, mas, segundo os padrões atuais, pareciam muito mais velhos não só pela aparência física, como pelas roupas da moda na época.
Há quem argumente que as pessoas dos 30, 40 anos atualmente parecem mais novas por conta do estilo de vida: fazemos mais exercícios físicos, cuidamos mais da nossa alimentação e temos hábitos mais saudáveis — o cigarro já não é mais tão bem visto, por exemplo.
A antropóloga e escritora Mirian Goldenberg, professora aposentada da UFRJ e referência nos estudos sobre gênero e envelhecimento, no entanto, refuta tudo isso.
Para ela, mais do que uma mudança na forma que cuidamos do nosso corpo, houve principalmente uma revolução comportamental.
Minha mãe com 30 anos já se vestia como uma velha, se comportava como uma velha, já se sentia uma velha. Hoje, eu tenho mais de 60 anos e tenho uma vida completamente distinta da minha mãe, em termos das roupas que uso, como me comporto e as coisas que faço, explica a especialista a
Mais vida para viver
De acordo com Mirian Goldenberg, nós não estamos envelhecendo mais devagar. O que mudou é que estamos vivendo mais e, por isso, a nossa concepção de velhice também sofreu uma reviravolta.
Para se ter uma noção, de acordo com o IBGE, a expectativa de vida da população brasileira em 1980 era de por volta 62 anos. Em 2022, a estimativa é de que um brasileiro possa viver, em média, até os 75 anos. São pelo menos 13 anos de vida para ser vivida.
Isso impacta na forma em que aproveitamos cada um dos nossos dias. Podemos focar em nossas carreiras, adiar o casamento ou a maternidade, deixar para realizar o sonho da casa própria para depois. Ou seja, tudo o que achamos que é “coisa de gente grande” ficou para mais tarde e, consequentemente, também a nossa velhice.
Novos “velhos”
“Não dá mais para colocar um rótulo em uma pessoa e esperá-la que ela aja de uma certa forma porque é ‘velha'”, fala a especialista.
Estamos envelhecendo de maneira mais diversa. Tanto que já não dá mais para falar de velhice como uma coisa só, mas de velhices, no plural. Tem pessoas de 90 e tantos anos que se relacionam com pessoas de todas as idades, que se conectam, que falam por vídeo. E, ao mesmo tempo, tem aqueles que não querem nada disso. Existe uma pluralidade e, ao mesmo tempo, uma singularidade da velhice.
É que até os anos 1990 se esperava um certo padrão de comportamento de uma pessoa de acordo com a sua idade, estado civil e até profissão. Principalmente as mulheres eram colocadas em “caixinhas” e precisavam escolher suas roupas e vigiar seu comportamento a partir dessas classificações.
“Uma mãe, por exemplo, não podia usar roupas que mostravam o corpo. Uma mulher de 30, 40 anos não podia ter cabelo comprido, franja, usar rabo de cavalo”, diz Mirian Goldenberg.
Nos anos 1960, tivemos uma revolução sexual e comportamental que deu mais autonomia para a mulher e suas consequências ressoam até hoje.
“Quando me mudei para o Rio, em 1978, não havia muitas pessoas com tatuagem. Hoje em dia, é cada vez mais comum até pessoas de mais de 80 anos com o corpo desenhado.”
Esse fenômeno não está mais relacionado apenas à nossa aparência, mas também às escolhas que fazemos para a nossa vida.
Se antes você não se casasse e não tivesse pelo menos dois filhos, era visto como um estranho. Agora, as pessoas, principalmente as mulheres, podem escolher se querem ou não viver a maternidade e preferem ter menos crianças do que as mães ou avós.
Sem falar que o casamento já não é mais um “felizes para sempre” e os divórcios grisalhos, de pessoas com mais de 50 anos, estão se tornando cada vez mais comuns.
Há 20 anos, esses indivíduos poderiam virar celibatários involuntários, mas com os aplicativos e outras plataformas de namoro, esses “velhos” também têm a possibilidade de continuar a viver a sua sexualidade, inclusive com pessoas mais jovens.
Envelhecimento controlado
Nós tendemos a nos sentir velhos mais tarde, mas a biologia nem sempre acompanha esse caminho. Os procedimentos estéticos como o botox seriam uma forma de fazer um “gerenciamento” do nosso envelhecimento, para que o que vemos no espelho reflita a forma que nos sentimos.
Apesar de positivo, esta também pode ser uma armadilha, de acordo com Mirian Goldenberg. “De um lado temos a estereotipação da velhice e, do outro, uma obrigação de se manter jovem com procedimentos e outros recursos”, afirma.
O ideal seria que cada um pudesse escolher o que caminho que quisesse seguir, sem ser mais uma pressão estética. “E que isso fosse não apenas respeitado, como um gosto naturalmente envelhecido também pudesse ser considerado bonito”.
É que a psicanalista diz que a grande mudança foi a reivindicação de termos outras opções de como envelhecer. Ou seja, temos mais flexibilidade para usar roupas e agir “como jovens” em qualquer idade.
Somos mais livres, não somos mais regidos pela nossa profissão nem pela nossa idade, mas pelos nossos gostos e prazeres. E uma aparência mais livre pode ser associada à juventude.
Fonte: UOL