Os alimentos que podem sumir do seu prato no futuro
Café, chocolate, arroz e feijão são alguns dos alimentos que podem ficar mais caros e raros no prato dos brasileiros nos próximos anos por causa das mudanças climáticas
Com o acelerado aumento da temperatura e maior incidência de eventos climáticos extremos – ondas de muito frio, calor e de tempestades -, plantações podem ter dificuldade de vingar, gerando uma espécie de efeito dominó.
O aumento da temperatura vai dificultar a produção desses alimentos, que consequentemente vão encarecer, tornando-se restritos a uma pequena parcela da população.
“As mudanças climáticas colocam em risco o acesso aos alimentos, pois afetam o poder de compra da população, especialmente dos mais vulneráveis”, explica Jorge Alberto Meza Robayo, representante da FAO (Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura) no Brasil.
Um estudo do Banco Mundial, divulgado no Relatório sobre Clima e Desenvolvimento (CCDR), estima que, até 2030, as mudanças climáticas vão empurrar de 800 mil a 3 milhões de brasileiros para a pobreza extrema.
Devido às mudanças climáticas, pragas e doenças se deslocarão para áreas geográficas onde não existiam, gerando problemas para a produção de animais e plantas. Isso implicará em novos riscos para a segurança alimentar e a saúde humana.
Agricultura já sofre com o clima
Os impactos das mudanças climáticas para quem vive e pesquisa sobre o campo já são uma realidade.
Gabriel Constantino Blain, pesquisador do IAC (Instituto Agronômico da Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo), destaca que, atualmente, a agricultura em praticamente todas as regiões do Brasil já sente os impactos das mudanças do clima, que vêm afetando o custo da produção agrícola e elevando o preço final dos alimentos.
“Como exemplo podemos citar o feijão. A escassez hídrica, ausência de água para irrigação e altas temperaturas já afetam a produtividade com impacto direto na oferta e preço do produto”, afirma Blain.
Uma pesquisa desenvolvida pela Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária), em parceria com a Esalq (Escola Superior da Agricultura Luiz de Queiroz da Universidade de São Paulo) mostra que áreas de produção de feijão no Brasil podem ncarar uma elevação de temperatura entre 1,23 ºC e 2,86 ºC até 2050.
Segundo o estudo, plantações de feijão de Minas Gerais, Bahia e estados do Centro-Oeste serão as mais afetadas pelas mudanças do clima. Além das mudanças no tempo, o aumento progressivo de gases de efeito estufa dificulta a formação de vagens e grãos por afetarem a fase reprodutiva das plantas.
A previsão se contrapõe à necessidade de aumento da produção de feijão em 1,5 milhão de toneladas para que o produto continue como protagonista na refeição do brasileiro.
No estado de São Paulo, a produção de laranja é outro exemplo de cultivo que já sofre diretamente os impactos dos cada vez mais longos períodos de estiagem. Junto com Minas Gerais e Paraná, o estado produz aproximadamente 75% das laranjas comercializadas no país – colocando o Brasil como o maior produtor da fruta no mundo.
Além da falta de chuvas e das altas temperaturas da segunda metade de 2023, atualmente os pomares paulistas enfrentam um surto de greening, considerada a doença mais grave e destrutiva dos produtos cítricos. O resultado é o aumento do preço final ao consumidor.
O problema é que situações já enfrentadas pelo feijão e a laranja tendem a piorar nos próximos anos com o aumento progressivo das mudanças no clima.
Situação parecida deve acontecer com o arroz. “O arroz, que compõe uma das combinações mais consumidas Brasil afora, cresce melhor em áreas com maior capacidade de retenção de água, o que acende um alerta para o risco que a escassez hídrica, cada vez mais frequente, pode representar para o seu cultivo”, explica Nadine Marques Nunes Galbes, nutricionista na Cátedra Josué de Castro de Sistemas Alimentares Saudáveis e Sustentáveis da USP que estuda os impactos das mudanças do clima na alimentação dos brasileiros.
Estudo realizado pela Embrapa em parceria com pesquisadores da Colômbia e do Reino Unido estima uma redução de 40% a 60% de água nas áreas com plantação de arroz de terras altas do Brasil, um dos tipos de arroz mais cultivados e comercializados pelos produtores nacionais, até 2050.
De maneira geral, os cultivos ou alimentos que já se encontram em condições próximas a seus limites fisiológicos, sobretudo térmicos e hídricos, sofrerão maior impacto. Assim, culturas de inverno ou originárias de climas temperados ou frios, como a soja ou o trigo, por exemplo, poderão ser mais impactadas pelas mudanças climáticas.
Alimentos que correm mais risco
Café e chocolate – este por causa do cacau – são alimentos que correm risco de serem cada vez mais raros nas casas brasileiras, pois são mais sensíveis às mudanças do clima, explica Nadine Marques Nunes Galbes, nutricionista na Cátedra Josué de Castro de Sistemas Alimentares Saudáveis e Sustentáveis da USP que estuda os impactos das mudanças do clima na alimentação dos brasileiros.
“O arroz, que compõe uma das combinações mais consumidas Brasil afora, cresce melhor em áreas com maior capacidade de retenção de água, o que acende um alerta para o risco que a escassez hídrica, cada vez mais frequente, pode representar para o seu cultivo”, explica Nadine. A pesquisadora aponta o milho como outro alimento com estimativas de importante queda na produção nas próximas duas décadas.
Como as mudanças climáticas carregam consigo a característica da imprevisibilidade, especialmente no que diz respeito à duração e à gravidade dos eventos climáticos extremos, uma grande variedade de frutas, legumes, verduras e cereais pode sofrer pela falta das condições ideais para seu crescimento e desenvolvimento.
“O impacto sobre o teor de nutrientes dos alimentos, somado a uma disponibilidade reduzida de alimentos saudáveis, pode ser fator crucial para agravar a situação de insegurança alimentar e nutricional, culminando em quadros de desnutrição, especialmente nas populações mais vulneráveis”, diz Nadine.
O que podemos fazer?
No Brasil, centros de estudos já estudam medidas para tornar certos cultivos mais resistentes ao progressivos eventos climáticos extremos.
No IAC, por exemplo, cientistas têm focado sua atenção no melhoramento genético de cultivos. “Centenas de cultivares oriundas dos programas de melhoramento do IAC já são ofertadas ao setor, tais como feijão, citros, café, cana entre tantas outras, desenvolvidas para serem mais resistentes a elevadas temperatura, seca, pragas e doenças”, diz Alessandra Alves de Souza, pesquisadora do instituto.
Robayo, da FAO, também defende como medida de resiliência e adaptação às mudanças climáticas ampliar a variedade da base alimentar da população. “Atualmente, apenas 14 espécies de mamíferos e aves compõem 90% da alimentação animal das pessoas. E apenas quatro culturas – trigo, milho, arroz e batata – fornecem metade da energia que obtemos das plantas”, diz.
Isso significa que temos uma dieta alimentar frágil, com dependência de poucas espécies. “Quanto menor o número daquelas que fazem parte do nosso sistema agroalimentar, maior o risco de as alterações climáticas gerarem impacto na nossa alimentação”, explica Robayo.
Nadine, da USP, lista ações para mitigar os impactos das mudanças climáticas na alimentação dos brasileiros:
Cultivos em risco
Soja: deve ser a cultura mais afetada pelas mudanças climáticas, especialmente o aumento dos períodos de estiagem. No pior cenário, as perdas podem chegar a 40% em 2070, levando a um prejuízo de até R$ 7,6 bilhões. Atualmente, o Brasil é o maior produtor de soja do mundo.
Café arábica: deve perder aproximadamente 50% de área de cultivo no Brasil até 2080 devido ao aumento da temperatura média. Atualmente, o Brasil responde por 33% da produção mundial deste tipo de café no mundo, com uma cadeia produtiva responsável pela geração de aproximadamente 8 milhões de empregos no país.
Arroz: pode perder até 14% das áreas apropriadas para o plantio do cereal até 2070. O maior produtor de arroz do Brasil, responsável por cerca de 70% da produção nacional, é o Rio Grande do Sul, que já foi impactado com as recentes inundações. Estima-se que as atuais plantações enfrentem uma redução de 40% a 60% de água até 2050.
Mandioca: este tubérculo deve enfrentar um cenário de contrastes de produção no Brasil por conta das mudanças climáticas.No Nordeste, por exemplo, devido ao aumento da temperatura e do período de estiagens mais severos, a produção deve ficar ainda mais difícil. Em contrapartida, áreas da Amazônia e do Sul do Brasil podem ter maior facilidade de produção a partir de 2050.
Milho: pode perder até 17% da área de cultivo até 2070. Quanto maior a temperatura, menor o rendimento do milho durante seu período de floração. Mato Grosso, Paraná e Goiás, maiores produtores de milho do Brasil, devem ser os estados mais impactados. Em 2023, o Brasil foi o maior exportador de milho do mundo, superando os Estados Unidos.
Cacau: planta que origina o chocolate, o cacau que é extremamente sensível às mudanças do clima pode fazer do chocolate um produto de luxo nos próximos anos. No Brasil, o Pará tende a ser um dos estados mais afetados, visto os extremos climáticos previstos: excesso de sol ou de chuvas. Estima-se que, até 2050, ocorra uma redução da produção agrícola entre 10% e 25% no mundo.
Cana-de-açúcar: diferente de outros cultivos, a cana-de-açúcar pode ser beneficiada pelas mudanças do clima, podendo ter sua área de plantio dobrada até o fim do século. Áreas do Sul do Brasil, hoje com restrições ao cultivo da cana, podem se transformar em regiões de potencial produtivo até 2050. Enquanto, locais do Centro-Oeste, que hoje apresentam um alto potencial produtivo, devem permanecer como áreas de baixo risco, porém serão cada vez mais dependentes de irrigação complementar no período mais seco. O grande desafio a ser enfrentado pela cana-de-açúcar para se manter como um cultivo forte no Brasil é o estresse hídrico.