Justiça
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É possível reconhecer união estável com pessoa que está casada?

Hoje nos vamos compreender legalmente se existe a possibilidade do reconhecimento de união estável com pessoa que está casada

A união estável é uma modalidade de relacionamento familiar amparada tanto pela Constituição Federal quanto pelo Código Civil do Brasil. Esta relação se caracteriza pela convivência pública, ininterrupta e de longa duração de dois indivíduos, independentemente de serem do mesmo sexo ou não, visando a construção de uma vida em conjunto. Contudo, o reconhecimento legal de uma união estável com alguém já casado possui algumas particularidades.

O Código Civil, em seu artigo 1.723, define a união estável primordialmente entre um homem e uma mulher. No entanto, uma decisão histórica do Supremo Tribunal Federal (STF), ao avaliar a ADI 4.277-DF e a ADPF 132-RJ, reconheceu e validou a união estável entre casais do mesmo gênero. Assim, tanto casais heterossexuais quanto homossexuais têm o direito de estabelecer uma união estável perante a lei.

Reconhecimento de união estável de pessoa casada

É fundamental esclarecer que, segundo a estrutura legal brasileira, geralmente não é permitido o reconhecimento de união estável quando um dos envolvidos é casado. Tal restrição surge a partir do princípio da monogamia, que define que um indivíduo não pode estabelecer simultaneamente mais de um compromisso matrimonial ou de união estável.

Dessa forma, a legislação é explícita: um indivíduo casado não pode, ao mesmo tempo, estabelecer uma união estável com outra pessoa. Similarmente, quem já possui uma união estável não pode criar outra paralelamente. Esta restrição está claramente estabelecida no artigo 1.723, § 1º, do Código Civil.

Porém, como em toda regra, há exceções. Quando, então, seria possível o reconhecimento de união estável com alguém que já está legalmente casado?

Como mencionado anteriormente, mesmo que o matrimônio seja, em geral, um obstáculo para o reconhecimento de uma união estável, existem duas situações que possibilitam sua validação. Uma delas ocorre quando o indivíduo casado está, na prática, separado de seu cônjuge, seja essa separação de fato ou judicial. O Código Civil, em seu artigo 1.723, § 1º, destaca essa possibilidade. Deste modo, se for evidente e comprovada a separação, seja ela de fato ou por meio judicial, a união estável poderá ser reconhecida.

Em relação ao segundo cenário, este exige comprovações específicas e, devido às divergências no ambiente jurídico, será melhor abordado em um contexto mais detalhado.

Ausência de conhecimento quanto ao impedimento para união estável

Conforme já salientado, o ordenamento jurídico brasileiro define certos obstáculos que impedem o reconhecimento de uma união estável, incluindo a existência de um casamento anterior ainda vigente (conforme art. 1.723, § 1º do Código Civil). Diante deste cenário, caso surja uma nova relação que tenha características de união estável em paralelo à anterior, o reconhecimento legal desta segunda união, em um primeiro momento, é barrado.

Contudo, para além do que a lei expressamente prevê, a doutrina e os tribunais têm, excepcionalmente, validado duas uniões estáveis simultâneas, quando é evidente que um dos envolvidos desconhecia completamente o primeiro relacionamento. Nestes casos, se demonstrada a boa-fé de um dos companheiros, que estava alheio à situação preexistente, aplica-se, por similaridade, o conceito do casamento putativo, conferindo à essa segunda relação o status de união estável putativa.

É vital enfatizar que tal relação simultânea é denominada “putativa” pela ausência de informação de um dos membros sobre a situação matrimonial do outro. Pode parecer impensável iniciar ou sustentar um vínculo sem conhecer a realidade civil do outro indivíduo, mas, na prática, tal situação ocorre mais frequentemente do que se imagina. Algumas manifestações desse fenômeno incluem:

  • A desinformação sobre a condição civil do parceiro;
  • O desenvolvimento paralelo de duas relações afetivas;
  • Uma das relações se enquadrando nos moldes matrimoniais e a outra nos da união estável;
  • A manutenção de duas famílias em simultâneo pelo parceiro infiel.

As repercussões dessa dinâmica são vastas e, muitas vezes, dolorosas. O companheiro traído, ao perceber a realidade, enfrenta não só a traição emocional, mas também os desafios jurídicos que vêm a seguir. A família originária, amparada pelo casamento, pode reivindicar todos os bens, mesmo aqueles provenientes da relação paralela, desfavorecendo o parceiro e os filhos desta.

Esses aspectos ressaltam a intricadeza das questões atreladas à união estável, e a importância de analisar cada caso em sua particularidade, para reconhecer seus direitos e definições. A sinceridade e a boa-fé dos envolvidos são essenciais para determinar a natureza da relação.

Dessa forma, é imperativo que as leis protejam aqueles que, por desinformação, contribuíram para a aquisição e manutenção de bens em uma relação. Deve haver um mecanismo legal que distinga essa relação da mera concubinagem, assegurando os direitos básicos daquela família. Afinal, um indivíduo que desconhece a realidade de seu companheiro não deveria ser equiparado juridicamente a uma figura meramente amante.